terça-feira, 22 de abril de 2014

O sofrimento como troféu

Sofrer faz parte do equilíbrio da vida, faz parte do caminho árduo que é o crescimento. Sofrer é angustiar-se, é gritar, é sufocar, é achar que nada mais tem sentido, é querer desistir. Sofrer também é crescer, é reerguer-se, é curar. Mas o sofrer, como tudo na vida (ou quase tudo) é momentâneo.

Há quem faz do sofrimento um pilar, um passo para a sabedoria, um aprendizado, uma busca para uma vida mais saudável, mais leve. Isso é equilíbrio, saber encontrar positividade no sofrimento, saber encontrar paz para as feridas da alma. É sabedoria que se aprende. É resiliência.

Mas há aqueles que fazem do sofrimento troféu, disputa árida e exaustiva. “Somente eu sofro”; “Meu sofrimento é maior do que o dos outros”; “Ah minha filha, se eu te contar a minha vida, você vai saber como eu sofro”. É um sofrer que vira capa de revista famosa, destaque do jornal. E a voz firme e vantajosa “veja como eu sofro”. 

É uma lástima enjoativa que alimenta o falso ego, encorajando a covardia da própria alma. Temor do abandono, de caminhar com os próprios pés, de assumir a direção da própria vida. Temor de não poder mais culpar o outro, de enxergar a própria culpa. Carência afetiva que não encontra outra forma de se expressar, uma forma mais branda, mais calma, mais doce. Não, só sabe ser angustiante.

É uma verborragia nauseante que pesa aos ouvidos de quem escuta, aflige o coração e a alma. Desmorona qualquer situação de leveza, deixando as cores mais escuras e os ombros mais pesados. É uma repetição contínua, que não sabe ouvir, não sabe falar, nem expressar ou elaborar. Os olhos perdidos na prateleira dos troféus de falso ouro. Um sofrimento, uma vitória (por aí vai). E por vezes, é possível confundir o saborear do sofrimento misturado com o prazer.

É isto, para essas pessoas, o sofrimento é prazeroso, é vitória. Mas é preciso contar ao mundo, porque colecionar troféus não serve, é preciso exibi-los. Este sofrimento santificado não passa de um grito desesperado “tenham pena de mim”. 

Por isso, filtre os ouvidos e o pensamento. Filtre o olhar. Proteja a alma. Absorver é carregar o peso de um troféu amargo que não é seu.







[Suzanne Leal]

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Homem é assim mesmo.

Em meio àquelas conversas julgadoras que tanto insistimos em apontar os defeitos outros (ou pelo menos aquilo que achamos ser defeito – desde já digo que, a meu ver, defeito é apenas um ponto de vista), me deparei com uma discussão ríspida entre três colegas, em que duas julgavam agressivamente os defeitos da outra. A questão é que a terceira pessoa não estava presente para se defender e provavelmente nem tomará conhecimento da tal discussão e das referidas más descrições que lhe eram feitas.

Longe de mim dizer que não existem julgadores ou que eu não seja uma, julgar faz parte de uma seleção natural que fazemos ao escolher o que é melhor pra si, é questão de sobrevivência. Mas muitas vezes tomamos esse julgamento como certo, como verdade universal, não questionamos, não analisamos, ficamos cegos e presos as amarras de um único ponto de vista. Ponto de vista este, que muitas vezes, é visto com olhar de inveja, despeito, frustração ou talvez seja apenas um medo danado de olhar pra si e enxergar sua própria escuridão. Ou vai dizer que na sua cabeça só existem pensamentos angelicais?

O tema chave na discussão era “traição”, mas não qualquer traição, mas sim a traição da mulher. A tal terceira moça, que estava traindo o namorado com outro, foi chamada de adjetivos nada agradáveis como vadia, puta, vagabunda e por aí vai. Enquanto a conversa se pairava sob um julgamento cruel como se fosse o dedo de Deus crucificando o pior ser humano da face da Terra, eu fiquei me questionando e pensando sobre todas aquelas palavras que estavam sendo despejadas aos berros. Acontece que o “amante” também tinha namorada e eu lancei a pergunta “mas ele – o amante - também não tinha namorada?”. A resposta foi curta, grossa e MACHISTA “homem é assim mesmo” e dá-lhe mais xingamentos, pra ela, claro.

O ponto aonde eu quero chegar é que as mulheres reclamam tanto dos homens e da nossa cultura machista, e não percebem que elas mesmas também adotam essa postura e trazem para si como verdade universal, não questionam, não pensam, não avaliam suas próprias atitudes. E isto, claro, é bem favorável a tal terrível cultura machista. Desde pequenos somos ensinados que homem que trai “é assim mesmo” e mulher que trai “é vagabunda”. É uma lógica machista que as próprias mulheres adotam. Que eu saiba, desejo não tem sexo.

Se o machismo existe e tanto reclamamos, a culpa não é só dos homens, também é nossa que propagamos da mesma visão. Saímos por aí aos berros julgando a nós mesmas. Um julgamento que já vem das nossas mães, avós, tias, etc. Será que isso é algo tão difícil de enxergar? Provavelmente. Abrir-se para novos pensamentos traz instabilidade na alma, nos tira do ponto seguro que tanto insistimos em ficar (mesmo que ruim). Mas não aconselho uma vida estável. Pelo menos não pra mim. 

Quanto à discussão mencionada anteriormente, ela continuou pelo mesmo buraco cego e machista. Foi um discurso perdido (zero pra mim). E ao tentar suscitar uma reavaliação de seus pensamentos tão fechados (e machistas), os tiros se voltaram contra mim. 

Assim fica difícil né, meninas! 




[Suzanne Leal]