sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Dos defeitos

Existem defeitos e defeitos. Uns que suportam edifícios, outros que destroem mundos inteiros. Defeito é parte, é metade, não é todo. Defeito é detalhe bobo ou é detalhe que destrói. Nossa falha é remoer o que é bobo e persistir no erro que destrói, corrói almas e enclausura vidas.

Fazemos dos defeitos um edifício inteiro, transformamos em algo maior do que nosso corpo consegue suportar e culpamos o outro, o mundo, a vida. Fazemos dele nossa base, encaixando peças erradas, erguendo muros instáveis e moldando casas vazias, frias e solitárias. Construímos muros que nos isolam e o isolamento se torna um poço de lamento, escuro e profundo.

Nós os criamos, alimentamos e damos vida, não só em nós mesmos, mas também no outro. Fazemos dele um contra-ataque, crendo na falsa ideia de que atingiremos em cheio o outro. Mas isto é só um mero detalhe que perturba e bagunça o pensamento. Quando recobramos a consciência, nos damos conta de que toda a artilharia que contra-atacamos, recaiu sobre nós mesmos. Os muros desabam e perdemos o chão.

O meu maior defeito: não ser quem eu sou de verdade. Minha alma é cálida, ardente, tem fome de vida, de sangue, de pele. Meu corpo é frio, resistente ao movimento, fechado em sua própria carapaça. Deixou-se consumir pelos pesos do mundo, não se deixou movimentar pelo soar da liberdade e pelo toque que move os corpos. E assim, aprisiona o que podia ser e o que devia ter sido.






[Suzanne Leal]

domingo, 26 de janeiro de 2014

DAS COISAS DIFÍCEIS DA ALMA

Tem sido difícil dizer tudo que sinto, organizar o pensamento, ser flexível comigo mesma. Palavras repetidas e fingidas têm sido utilizadas com mais freqüência, e às vezes tenho receio de me perder de mim mesma. Esquecer quem eu sou, esquecer meus desejos, meus sonhos. E tudo se findar na escuridão e no esquecimento do meu próprio pensamento. 

Arrependimentos, fingimentos e culpas são os tijolos que sustentam o meu edifício, cada vez mais curtos e pausados. Você me vê, mas não sabe quem eu sou. Sem conseguir afastar esta nuvem, dou passos lentos e arrastados, com um sorriso forçado que não sabe onde se encaixar. Minha alma, ninguém nunca a conheceu de verdade. 

Os constantes movimentos automatizados com o corpo, um leve – e pesado – balançar com a cabeça, manifestando um disfarçado sim, um fingido entender do mundo, camuflado em um forçado sorriso no canto da boca. É só assim que tem sido. Um aperto de mão que só conforta o outro e me torna solitária, arrastada pra longe do meu próprio sentir.

Peço desculpas ao mundo, peço desculpas à vida, por não entender o significado que muitos parecem sentir e compreender. Eu não, eu só reconheço um mundo pesado, uma vida árida que arranha a alma. Sei que existe vida dura, sofrimentos maiores e pesares que rodam a vida de corajosos seres viventes. Mas minha alma é consternada, ela não sabe se gratificar, se amenizar, nem se deixar tocar por essa vivacidade que tanto dizem existir.

É o que posso dizer, é assim, mesmo que o mundo não aceite. Talvez um dia a coragem me toque. Ou não. E minha alma continua assim, desconhecida, uma incógnita para o mundo. 







[Suzanne Leal]

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

DAS COISAS QUE A GENTE NÃO FALA

Aprendi a me calar, a guardar as palavras no pensamento e só dizê-las a mim mesma, pelo menos grande parte delas. Dizem por aí que o coração de uma mulher é um mar de segredos e eu lhes garanto, pelo menos o meu sim. 

Meu coração tem tantos segredos que tenho medo que ele fuja e os conte para o mundo. Tenho medo que ele transborde e não suporte, pois ultimamente ele anda batendo tão quieto e acelerado ao mesmo tempo, inquieto, desassossegado. Ele precisa se acalmar, mas não consegue. Apreensivo, preocupado, pressionado. Só quer viver sua própria vida, bater conforme o seu ritmo, sem pressões ou inquietações.

Para se proteger do mundo voraz, ele se esconde, pois já procurou compreensão e não encontrou. Te pedem o mundo, te pedem tudo, quando precisa de pouco, você não tem nada. E assim o coração se cala, se esconde e passa a bater sozinho. Uma batida lenta e inconsolada. São lágrimas que só se pode chorar por dentro. Chorar, estar triste é crime para o mundo, este te diz o que tem que ser e o que fazer. Não se pode mais seguir os desejos da própria alma ou revelar os segredos do coração. 

E assim, ele vai indo, desgastado. Um dia ele transborda e foge ou desiste.





[Suzanne Leal]