sábado, 2 de agosto de 2014

O transbordamento - corpo e emoção

Corpo é emoção, que grita, que transcende, que busca uma chama que não se sabe bem o que é. Só se sabe que quer senti-la em toda a sua intensidade e magnitude. Que quer buscá-la dentro e fora de si. Porque ficar parado angustia, é uma falsa ilusão de comodismo, de mais fácil. O caminho que parece ser o mais rápido e fácil, se torna o mais difícil e árduo. Se pararmos bem pra pensar, não é cômodo, na realidade é duro e penoso estagnar-se no comodismo, na mesmice, no conhecido.

As conseqüências são muitas. E acredite, a maioria não é boa. Quando nos deparamos com elas, ficamos sem chão, sem identidade. Fica tão difícil responder quem é você mesmo. Você se limita, se esconde, se fecha. Junto a tudo isso vem uma imensidão de dúvidas. A dúvida é angustiante. A guerra interna vem à tona. Ela não está começando. Só está emergindo de um lugar que já existia há muito tempo. E você não está pronto para ela.

Há dias que desejamos tão intensamente que chegamos a sufocar. Mas falta a coragem de viver nossos desejos. Falta a coragem de largar as roupas usadas e correr sem rumo, sem olhar para trás, sem remorso, ou algo ou alguém que a prenda. Uma prisão que muitas vezes é um buraco escuro que não se vê sentido, que torna a vida vazia e vaga, sem saber ao menos o que viver realmente. Sem saber pelo que seguir. Você apenas vive o que planejam pra você.

É uma vontade intensa que às vezes dói como doença, e às vezes vibra como a esperança por um dia novo. É uma vontade que anseia a cada segundo, sem mostrar caminho ou direção. Ela só sabe que quer ir e tão logo quanto possível. É uma vontade que aspira ser destemida e almeja passar por cima de qualquer dor ou entorpecimento que imobilize a alma. É uma vontade que fala e descreve quem você é de verdade.

Entorpecimento, é isso que destrói a alma, é isso que faz doer mais do que qualquer dor física. É uma dor sem cor, toque ou forma, não tem um ponto certo e não se vê. Ela absorve a vida e a nossa essência, que nasce vívida em todos nós, mas é sugada e abafada com o crescer. Entorpecer é sufocar-se na própria respiração, que vai se tornando pesada e arrastada. A gente desaprende até a respirar levemente.

Chega o dia que transborda, como um copo que transborda água de tão cheio. Como o mar que invade a terra para externar o que há nas profundezas. Não há mais espaço, o entorpecimento ultrapassou o limite do suportável. Muitas vezes parece um copo vedado, pressionado tão fortemente a ponto de explodir. Uma explosão, que se não cuidado antes, se manifesta intensamente no corpo. E dói, dói como você nunca pensou que fosse doer.

A doença que era da alma, se torna doença palpável no corpo. A doença que não podíamos tocar e ignorávamos, agora toma forma, corpo e voz. Uma voz que assusta, amedronta e apavora até o mais profundo do nosso Ser. Ficamos perdidos e desnorteados, afundando-se na lama das neuroses criadas e alimentadas. Afundamos em nossa própria construção. É um buraco escuro, solitário e assustador que você precisa encarar.




[Anne Leal]

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