sexta-feira, 25 de julho de 2014

Um olhar pra dentro


 Laura sabia de seus anseios. Todos os dias ela precisava sentar na janela mais alta da casa para poder enxergar o mundo por inteiro. Ela só sabia enxergar àquilo que estava além do palpável. Às vezes era algo difícil até pra ela. Os sopros que se escondiam entre as folhas compreendiam o que ela sentia.

Nas noites de vento, a janela era o lugar favorito. A escuridão do mundo falava dela por inteiro cada vez que o vento tocava a sua pele. Sabia bem no fundo que era uma voz que a chamava para algo mais intenso. Era a vida soprando ao seu ouvido. Ela precisava daquilo.


Quando sentava no topo da escada ela pensava que a vida era como degraus, que era preciso pisar em cada um para poder chegar para subir ou para descer. Mas às vezes dava pra pular também. Somente ela e a noite sabiam enxergá-la. Não era tão complicado assim. Na verdade, era tudo bem simples.


Quando se arrumava por dentro conseguia transbordar-se por inteira. Mas só seus sonhos podiam acalentá-la. No fundo da alma sabia o que mais lhe consternava. Só o som da chuva podia acalmá-la. Mas as chuvas eram raras. Eram silêncio e barulho dentro de si. Era difícil distinguir. Laura às vezes tinha mundos inteiros incrustados em sua pele.


Laura não queria se secar por dentro. Imaginar-se seca de alma era assustador. Preferia que doesse sem anestesiar. Até sentia alívio por ser assim. Se dói é porque sente, esta era sua lógica. E não sentir era impossível. Queria se compreender pela dor, pelo sentir e pela noite.


Assim ela se banhava sob o escuro da noite. Se não podia fazê-lo, podia fechar os olhos e olhar para o escuro de dentro. Antes de dormir repetia como prece: não me deixe esquecer-me, porque quando me desvio de ser eu mesma, eu me apavoro, não sei o que eu faço sem mim. 





[Suzanne Leal]

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